sábado, 29 de setembro de 2012

Ebriedade

Invadi sozinha um bar. Pedi um trago de bebida forte, uma porção de torta de maçã. Fiquei distraída olhando ao redor rezando para nossa senhora do invisível que nem um conhecido me espreitasse. Depois remoí a semana intensa que tive e adorei estar naquele lugar repleto de desconhecidos, homens e mulheres indecifráveis, mas todos acompanhados sussurando em uníssono "quem essa daí está esperando?"
Ui, ninguém! Complexamente, ninguém. Assiti, fingindo indiferença, a uma partida de bilhar entre dois casais. Escutava umas músicas cafonas e me divertia com aquelas rimas deploráveis parecendo surgir das profundezas do inferno. Resolvi soltar o cabelo e mandar descer dois chopps, "pronto ele deve estar chegando", devem ter pensado.
Garçom, mais um, por favor! Tomei 5 páginas de letras indiscretas e me afoguei no riso quando um porre me disse "sai fora, ele não deve ter conseguido escapar da mulher". Nossa, eu tinha cara de outra. Será que isso é melhor do que não ter cara nenhuma?
Ensaiei uma resposta, mas preferi um sorriso pálido: havia gostado do personagem que haviam me dado. Para inflamar mais, tirei o celular do bolso e ensaiei indelicadas e insistentes chamadas para meu suposto amante. A galera pirou! Fiz cara de raiva, mandei descer mais dois chopps, virei o primeiro, degustei o segundo, retoquei o batom vermelho.
"Um bilhete para senhorita". Guardei na bolsa sem lê-lo. Mandaram-me um tira gosto, porém desejei eferver lenta e bruscamente como sorrisal do bêbado ao lado. A cabeça girava e as palavras já saíam pesada, o dedo mal levantava pedindo mais um.
Resolvi guardar o livro, pois as letras há muito já dançavam à minha frente. "Moça, posso sentar aqui", pediu-me um grotesco cavaLEIRO, "sim, sim" respondi e imediatamente me levantei para deixá-lo mais à vontade.
Novamente, puxei o telefone e fingir ligar para ele. Comecei a acreditar naquela mentira (seria assim as pessoas que quando resolvem ser um personagem, uma hora passam acreditar na sua própria mentira?). Desliguei o telefone revoltada, mais uma vez fingia. Ganhei um chopp, sentada ao balcão erá mais fácil o assédio. Decidi não tomar, um boa noite cinderela não estava nos meus planos, nem aquele estranho bar estava, confesso.
Paguei a conta com cheque sem fundo. Saí e choquei ao descobrir que meu carro não estava mais em frente ao bar. Desesperei-me! Puxei o telefone para pedir ajuda, eis que constatei ser impossível, já que não havia um contato listado no celular novo. Precisava chegar em casa o mais breve possível para saber do carro.
Não havia carro, não havia há quem ligar, não havia livro na bolsa, não havia sobriedade, não havia sorrisal, só o que havia era meu amante fulo da vida me esperando com um buquê murcho e um café amargo. No mais, existia um amante.
Não era mentira o encontro, eu é que não havia ensaiado aquela parte!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A carta rasgada

Deveria ter te deixado uma carta, mas eu tremia demais. Outrora, teria me jogado aos teus pés, te implorado que me pedisse pra ficar mais um pouco. As fichas, porém, tinham se esgotado. A saga havia chegado ao fim. Esses três anos, esses três meses, esses três dias foram demais, já não conseguia subverter minha vontade de ficar. Eu queria ir. Eu precisava ir.
Eu fui. E se você pensa que não deixei rastros, está enganado, eu me deixei inteira por aí para não precisar ser quem nunca fui. Eu deixei os beijos insossos, as transas inertes, o aperto na mão sem graça. Eu deixei a televisão ligada no futebol que nem me servia para te ter por perto. Eu deixei as queixas da mulher desocupada, a cama desarrumada, a panela queimando a comida sem graça.
Ah, o amante, este eu tirei do armário. Não se preocupe, ele não despencará em cima de você para esfregar na cara o sexo casual que tanto detestei. Que ironia, sexo casual! Deixei algumas contas também, para que você visse o quanto gastei em beleza plastificada, para que você chegasse e me deixasse de souvernir uma dor de cabeça de boa noite e um mau humor como saudação matinal.
Meu café de hoje? Não está mais amargo, achei o açucareiro. Ainda corre pelas suas bordas umas formigas sem graça, que querem roubar todo o doce do meu açucar.
Levanto de madrugada, debruço-me sobre a janela, ponho o dedo na gota de chuva inexplicável que me cai do rosto e vejo, maliciosamente, como ando feliz!
Não me és mais um peso. Não tenho mais marcas no corpo, nem a alma castigada, nem preciso te perdoar tantas vezes depois de tantos perdões.
Depois desse banho trépido, depois desse sossego, só me resta te dizer que fiz bem em não ter te deixado uma carta.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

(In)Certas!

Tem certas cores que não combinam, certas ideias que não se encaixam, certas palavras que não ocupam lugar.
Certos silêncios ensurdecedores, certos comportamentos molestadores, certos teias que não emaranham.
Certos blocos que não se encaixam, certos brilhos que não cintilam, certos mãos que não lagrimam.
Certos amores que enclausuram, certos bebidas que não embriagam, certos vendavais que aquietam.
Tem certas melodias que ensurdecem, certas alegrias que entristecem, certas conceitos que inebriam.
Tem certos blocos que não colorem, certos cinzas que norteiam, certos gris que clareiam.
Tem certos certo que erram, certos sorrisos que me entopem, certas andanças que me nauseiam.
Tem certos beijos que não estalam, certos medos que bloqueiam, certos dedos que não se enlaçam.
Certos olhos que não se cruzam, certos conversas que não se encontram, certos repousos que se escapam.
E tem certos eus que não se acham, por certos tus que tão se perdem.
E tem certas histórias que acontecem, tão visceral, que precisam mais de uma vida, para acontecerem por completo, por serem incertas!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

É que meu coração pensa

Passei um tempo que me parecia interminável buscando me adequar as vontades de todos os outros. Ensaiava passos, buscava não esgotar os sorrisos, virava ao avesso, se preciso, para não desagradar e perder preciosidades camaleônicas. Eu temia um vazio que se quer conhecia, nem anseiava, apenas por seu sinal de existência experenciado pelos outros emblemarem um lugar vazio na minha estante.
Mas tem hora que cansa. Às vezes cansa rápido, às vezes cansa demais, às vezes nem cansa, mas está lá sem explicação, ou mesmo por explicação esdrúxula, desabitual, desafagável, lacônica.
Por cansar e por temer que as voltas que a vida dá fossem longas demais diante para minha implacável impaciência, resolvi ser mais eu e menos os outros. Resolvi parar de me importar com os comentários idiotas e lascinantes que cobravam um comportamento emoldurado para uma garota que é filha única.
Decidi não seguir o script, cortar as verbas, repensar editais, ser mais pólen e menos raiz. Neguei a vocação de mulherzinha, coitadinha, laidizinha. Fui mais macho que muitos homens quando precisei me desembainhar da saia da mãe. Levei rasteiras da vida, engoli choros e sapos, rezei baixo e desesperada, tive pesadelos inexplicáveis, me desprendi de amores imperfeitos, fiz contas incalculáveis, não superei o medo de altura nem do escuro, levei broncas desnecessárias, aguentei silêncios impiedosos, recebi um não que nem me foi dito, trabalhei no que não poderia, não aparei arestas selvagens, fui puro instinto, desfiz laços e me torturei com os nós, desisti, resisti, persisti, não consegui...
Tudo numa lacuna necessária, desvirtualmente afetiva, a fim de alcançar o ápice do que almejava por hora, por uma semana, por um mês, ou por uma vida toda.
Aprendi? Também. Mas, enfim, compreendi que a vida é feita de resistência, de resiliência, de autogenerosidade, de menos drama e mais comédia. Arregacei as mangas e me inscrevi na minha própria escola, lugar onde eu posso me reprovar e me recuperar de verdade. Onde eu posso lavar a alma e colocá-la para secar onde eu quiser. Onde eu posso ser mais eu!
Doeu, mas eu amo cada tijolinho alinhado, cada sementinha plantada, cada sorriso colhido e cada alma replanejada, pois eu planto sonhos para colher o que há de melhor em mim, inclusive amor, por isso não irei desistir, embora o coração não pense!!