terça-feira, 25 de setembro de 2012

A carta rasgada

Deveria ter te deixado uma carta, mas eu tremia demais. Outrora, teria me jogado aos teus pés, te implorado que me pedisse pra ficar mais um pouco. As fichas, porém, tinham se esgotado. A saga havia chegado ao fim. Esses três anos, esses três meses, esses três dias foram demais, já não conseguia subverter minha vontade de ficar. Eu queria ir. Eu precisava ir.
Eu fui. E se você pensa que não deixei rastros, está enganado, eu me deixei inteira por aí para não precisar ser quem nunca fui. Eu deixei os beijos insossos, as transas inertes, o aperto na mão sem graça. Eu deixei a televisão ligada no futebol que nem me servia para te ter por perto. Eu deixei as queixas da mulher desocupada, a cama desarrumada, a panela queimando a comida sem graça.
Ah, o amante, este eu tirei do armário. Não se preocupe, ele não despencará em cima de você para esfregar na cara o sexo casual que tanto detestei. Que ironia, sexo casual! Deixei algumas contas também, para que você visse o quanto gastei em beleza plastificada, para que você chegasse e me deixasse de souvernir uma dor de cabeça de boa noite e um mau humor como saudação matinal.
Meu café de hoje? Não está mais amargo, achei o açucareiro. Ainda corre pelas suas bordas umas formigas sem graça, que querem roubar todo o doce do meu açucar.
Levanto de madrugada, debruço-me sobre a janela, ponho o dedo na gota de chuva inexplicável que me cai do rosto e vejo, maliciosamente, como ando feliz!
Não me és mais um peso. Não tenho mais marcas no corpo, nem a alma castigada, nem preciso te perdoar tantas vezes depois de tantos perdões.
Depois desse banho trépido, depois desse sossego, só me resta te dizer que fiz bem em não ter te deixado uma carta.

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