terça-feira, 10 de abril de 2012

Dos encontros desencontrados

A música era tudo que eu tinha. Fone no ouvido, óculos escuros escondendo a cara mal dormida, vontade de nem sair de casa, misturada ao anúncio de chuva para um dia inteirinho. E a buzina. E imobilidade do olhar fixo à diante. E a buzina insistente. E a ânsia de olhar o que se passava, sem ficar passada. E a buzina gritava mais alto, convocando todos os olhares para mim. Virei com calma, fingindo desdém. Mãos doloridas da bagagem pesada, a barriga roncando pela ausência do café da manhã e coberta com um frio, que se expandiu para coluna provocando aquele calafrio, ao ver o olhar, o sorriso e o convite, vamos? Quer carona?
Apontei meu percurso de contramão, na mão exata de quem quer ir seja lá pra onde for. Ele me oferecendo carona? Ele se dispondo a ir, pois exatamente nesse dia não precisaria chegar cedo ao trabalho? Ele a quem eu neguei o sorvete e lhe permiti o livro? Ele que gosta das músicas que me embalam e dos papos que me animam madurgadas inteiras. Silêncio. Vamos, preciso te contar algo e nem é tão contramão assim. Fui.
Nem era tão contramão mesmo. A carona foi rápida e prevendo o enredo contístico que a viagem anunciava, falamos rápidos e atrapalhados, queriamos contar um monte de coisas ao mesmo tempo, da música da estação à redescoberta magnífica de Calvin e Mafalda. Caramba! "Thau... trabalho longe, sem comunicação, mas quando eu chegar te ligo e vamos sair novamente para conversar".
Desci contente com o reencontro, mas sem levá-lo na cabeça, nem no peito e sem confiar na promessa dita e no pedido feito.
Hoje voltei. Calorão, estresse, cansaço mental e físico: mau humor! Desci do ônibus para pegar outro que viesse para meu lar e eis que a buzina novamente. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar? Meu rímel deve estar todo borrado, o pó a essa hora já evaporou e a pele suada e lustrosa, nem se fala!
Dessa vez a força do meu cansaço e minha ansiedade a lá são tomé me impeliram a olhar antes que o ruído da segunda buzinada cessasse. Era ele! Sorriso acompanhando o balançar da cabeça num gestual tão combinado que se traduzia no "eu não acredito". Nem eu, respondi com o sorriso no mesmo tom.
Entrei e nos demos um beijo longo e um abraço com desculpas mútuas pela aparência e cheiros acumulados: era fim de um dia de trabalho, estávamos autorizados. Depois a estranheza do beijo injustificável ficou pendurada no ar. Mas não fomos silêncios, nem medos... Fiquei com a impressão de termos deixado nossa tarde com as cores do fim de sábado e o cheiro delicado do início de um domingo "agaroado".
No mais, teve a tapioca, as velhas frases de Calvin, a partilha sobre Heresia, os inusitados dos filhos, a solidão do longe e do perto, o ode ao clichê e à generalização. O desejo do depois veio do lacre, transfigurado em simulacro, num sorriso, de então... tá. Te vejo mesmo amanhã? Amanhã? Por que não depois? É...
O resultado eu já, sei, mas tenho que correr que ele já está buzinando aí em baixo.
Fui...

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